Do escotismo ao Ironman, das montanhas ao parapente — conheça a trajetória do nosso vento nortenho e atleta brasileiro que integra a equipe de supporter do atleta brasileiro Gabriel Jansen na mais dura prova internacional de Hike and Fly: a Red Bull X-Alps.
Quem acompanha o Hike and Fly no Brasil com certeza já ouviu o nome Eric Beck. Ele não é apenas um atleta disciplinado e generoso — é parte do grupo que está construindo as histórias mais marcantes da modalidade no país.
Organizou duas edições do Hike and Fly Paraná (em Jaraguá do Sul e no Morro da Palha) e, durante o Festival de Montanha no Morro do Araçatuba, também foi o responsável pela prova de Hike and Fly.
Em 2024, correu a Transcapixaba e conquistou o quinto lugar. Já carimbou sua presença em praticamente todas as grandes competições nacionais de esportes de aventura — da Hike and Fly PR à Transcapixaba, passando por X-Pedra, Atibaia, Cachoeira Alta, entre outras.
Além de estar presente nos bastidores, nas provas e nas trilhas, Eric também colaborou com a conceituada revista internacional Cross Country Magazine — uma das publicações mais respeitadas no universo do voo livre e parapente mundial. Ali, assinou uma matéria que leva não apenas sua experiência técnica, mas também sua maneira sensível de enxergar a modalidade que defende e ajuda a crescer.
Também integra o grupo de debates que articula os temas relacionados as competições das provas brasileiras de Hike and Fly para a FAI (Federação Aeronáutica Internacional) — um passo fundamental para consolidar a modalidade como esporte regulamentado no Brasil.
Agora, em 2025, o Vento Nortenho Eric Beck integra a equipe de supporter do atleta brasileiro Gabriel Jansen, na prova mais desafiadora do planeta: a Red Bull X-Alps, uma competição internacional de Hike and Fly que atravessará cinco países europeus.
E essa missão não é tão novidade para ele. Eric já desempenhou esse papel de forma remota em algumas das provas mais técnicas da Europa: esteve como supporter na Dolomite Super Fly, que cruza os Alpes italianos; na X-Pyr, que atravessa a cadeia dos Pirineus; e também na Bornes to Fly, que percorre os Alpes franceses. O que será novidade, é que durante esse desafio ele estará in loco. (Que os Deuses da tecnologia mandem bons sinais de internet 😅).
Eric nasceu em Brasília, bem no Planalto Central desse nosso Brasil imenso. Uma cidade onde o céu é o verdadeiro protagonista — vasto, mutável, profundo.
O urbanista Lúcio Costa, autor do plano piloto da capital federal, dizia:
“O céu é o mar de Brasília.”
Natiruts também toca o céu quando canta: "Eu vou surfar no céu de nuvens doidas da capital do meu país."
E quem voa — de asa delta, avião, parapente ou até nos próprios pensamentos sabe que a imensidão do céu da capital é, de fato, onipresente.
Eric se define como uma criança “arteira disciplinada”. Corria, andava de bike, fazia natação, jogava bets na rua, andava de roller, skate, subia em árvores, despencava dos galhos — e levantava de novo. Como se o chão fosse apenas um intervalo entre dois voos.
A mãe, Helena... desconfio que suspirava. Não só de cansaço, mas de encantamento também. Era a incentivadora, aquela que dizia para acreditar nos sonhos — e ir atrás deles. Era ela quem pedia ao marido, em dias de chuva: “Para o carro aqui.”
E então ela e Eric desciam, para terminar o trajeto caminhando, encharcados e sorrindo.
Gosto de pensar que era a forma dela de criar pequenos respiros e divertidos momentos no tempo, ensinando que o mundo tem beleza mesmo quando estamos encharcados.
Eric é o mais velho de três irmãos, com oito anos de diferença entre ele e os caçulas (de 8 em 8). Cresceu aprendendo a cuidar, acalmar e proteger os mais novos.
Os esportes entraram cedo em sua vida. Começou a correr ainda pequeno e se tornou escoteiro na infância, mergulhando nos aprendizados do mato, dos acampamentos, das patrulhas. Aprendeu ali a importância dos valores humanos, da natureza como mestra e do senso de pertencimento a um movimento centenário que forma cidadãos ativos, responsáveis e colaborativos. Um dos nortes do escotismo é: “Sempre Alerta para Servir!”
Para quem conhece o Eric de perto, isso não é surpresa. Um dos traços mais marcantes dele é justamente esse: a generosidade tranquila de quem ajuda nas travessias. Temos algumas histórias dele em ação, e claro, a sua própria participação na equipe brasileira da RedBull X-Alps já valida muito isso. Valores que, muito provavelmente, nasceram entre árvores escaladas, cuidados com os irmãos e foram sendo lapidados entre barracas, fogueiras e bússolas.
Apesar da casa ser cheia de homens — quatro ao todo, contando pai e filhos — quem mandava mesmo era Helena. Ela falava, e todos respeitavam.
Viviam viajando, e os pais — ambos filhos desse estilo de vida — ensinavam os filhos a serem firmes nas decisões. Era o tipo de casa onde a liberdade andava de mãos dadas com a responsabilidade.
O pai, Aureo, era militar da Aeronáutica. Um homem afetuoso, nobre, e que cultivou um tipo de vínculo que Eric descreve como sensacional. Aureo, plantou uma semente sem perceber, foi inserindo aquele menino no mundo das hélices, dos hangares, das vozes metálicas do rádio. Deixava o Eric entre pilotos e mecânicos, como quem solta um passarinho em seu habitat natural.
E o menino perguntava. Porque as perguntas são os primeiros voos da alma.
— Como voa um avião?
— Por que ele não cai?
— Onde ficam as nuvens quando a gente está por cima delas?
Os pilotos, com seus uniformes cheios de horas de céu, se dobravam diante daquela curiosidade desarmada. E contavam tudo. E quando, por sorte, o deixavam entrar na cabine e voar com eles, o mundo lá fora virava maquete.
Há um outro impulso que também soprava o desejo de céu no peito de Eric: a mãe. Helena era filha de militar, oficial da brigada de infantaria paraquedista do Exército Brasileiro. O pai a levava para saltar de paraquedas — em um tempo em que poucas mulheres sequer se aproximavam disso.
Um dia, revirando gavetas antigas, Eric encontrou uma medalha de honra ao mérito com o nome dela gravado. Era pelos primeiros saltos, os históricos. Medalha de coragem, de pioneirismo. Imagino Eric menino, segurando aquele objeto pequeno como quem encontra uma chave: uma passagem secreta para um tipo de coragem.
Talvez, naquela linhagem de gente que vive com os pés na terra e os olhos no céu, não houvesse mesmo outro destino. Eric já carregava o encantamento pelo voo — e pelas aventuras — no sangue.
A receita parecia pronta: com uma mãe paraquedista pioneira, um pai oficial da Força Aérea e uma infância cercada por céu, hélices e coragem, era quase inevitável que Eric seguisse carreira militar. E, por muito tempo, esse foi mesmo o plano. Mas o destino, como bom navegador, tinha outra rota.
Quando completou a idade para prestar concurso à Força Aérea Brasileira, seu pai foi transferido para uma missão oficial na Inglaterra, como tesoureiro da Comissão da Aeronáutica. E Eric, então com 17 anos, precisou fazer sua primeira grande escolha de vida: seguir sozinho no Brasil rumo à carreira militar, ou embarcar com a família em uma jornada pelo desconhecido. Optou pela segunda. E não se arrepende.
Antes de chegar à Inglaterra, a família comprou um furgão e viajou por 8 países Europeus até chegar ao novo destino, o Reino Unido. Eric não apenas se adaptou — ele se lançou à experiência com intensidade. Seus pais ficaram apenas dois anos na Inglaterra, mas ele ficou cinco. Viveu sozinho desde os 18. E ali aprendeu o tipo de independência que não se ensina nos livros.
“Eu era responsável pelas minhas próprias ações. Precisava cozinhar, cuidar da casa, correr atrás para pagar meus estudos, meu transporte, minhas contas. E isso me deu um senso de autonomia muito profundo”, conta.
Durante o dia, estudava e trabalhava com pessoas com deficiência física na universidade. À noite, atendia num pub. Nos fins de semana, levava turistas ingleses para os Alpes franceses, cruzando o Canal da Mancha todo fim de semana.
Foi também nesse período que o escotismo, que já o havia marcado na infância, se mostrou presente em espírito: disciplina, organização, resiliência e senso de responsabilidade coletiva estavam em cada passo. E mesmo com a rotina intensa, nunca abandonou os esportes. Continuou correndo. E foi ali, entre jornadas e estudos, que conheceu um programa de TV chamado Eco Challenge. Nele, acompanhou a saga de equipes em corridas de aventura por lugares remotos do planeta. Mapeamento, navegação, orientação por cartas topográficas, provas de resistência. Montanha acima, rios abaixo.
Eric se viu ali. Não apenas na prova — mas na filosofia que sustentava tudo aquilo.
Treinou por conta própria. Se preparou física e mentalmente. E quando voltou ao Brasil, conseguiu entrar em uma equipe de corrida de aventura em sua terra natal, Brasília. Descobriu, então, que mais do que força física, o esporte exigia clareza mental, humildade, disciplina e, principalmente, a capacidade de manter o grupo coeso diante do erro, da dor, da exaustão.
Foi nesse contexto que outra faísca do passado reacendeu: o paraquedismo. Após assistir a uma instrução, sentiu o chamado — talvez herdado, talvez ancestral — do céu. Com 22 anos, iniciou o curso. Na época, não tinha condições de arcar com todos os custos. Mas descobriu que poderia saltar com aviões militares, pagando apenas pelo aluguel dos equipamentos. Nos fins de semana, mergulhava no céu — salto após salto. Foram mais de 50 em poucos meses.
E, como sempre, quando sentiu que era hora de mudar, escutou o instinto. Conheceu o triathlon. Já morando em Curitiba, começou a treinar. E não demorou muito para mirar seu próximo desafio: o Ironman.
Treinou por três anos. Em 2010, cruzou a linha de chegada da prova de Florianópolis após doze horas de esforço ininterrupto.
“Nesse dia, entendi o verdadeiro valor de um copo d’água. De um banho quente. De uma pizza. Naquele momento, todas as minhas ambições se resumiram ao simples desejo de chegar. E eu cheguei.”
A prova foi um divisor de águas. Não apenas porque exigiu muito, mas porque revelou tudo: o quanto é possível resistir, persistir e superar.
Foi então que veio o voo livre — a forma mais simbólica e integrada de tudo que Eric já havia vivido. Um esporte que permitia decolar da montanha sem precisar de avião, unindo o amor pela natureza ao fascínio pelo céu. Tudo transcendeu, o escotismo, as trilhas, as matas, os mapas, a disciplina, o silêncio interior, o vento e uma família que também compartilha toda essa paixão. A família do hike and fly que se expande mundo afora.
Eric chegou na Vento Norte Paraglider em 2014, desde então voa — e nunca parou. O cross country o desafiou. O Hike and Fly o abraçou. Nas montanhas e nos céus, encontrou o equilíbrio entre corpo, mente e espírito. E ele diz:
A vida também te coloca à prova. Mas se você aprende a lidar com os seus próprios medos, com os seus próprios limites, não tem desafio grande demais. E ninguém precisa provar nada pra ninguém — só pra si mesmo.
A vida do Eric parece ter sido escrita com precisão — como um mapa bem traçado, daqueles que ele aprendeu a ler nas corridas de aventura. Cada capítulo, cada escolha, cada aparente desvio, preparou o terreno para o momento que ele vive agora.
O menino que nasceu em Brasília, cercado pelo céu e pelas vozes de rádio dos hangares, cresceu entre engrenagens, árvores e responsabilidades, com o grande amor dos pais. Aprendeu cedo a cuidar dos irmãos, a ouvir o amor da mãe e a nobreza do pai, a respeitar o vento. Trocou a Força Aérea pela liberdade de uma mochila e se aventurou pela Europa, onde trabalhou — veja só — como guia nos Alpes franceses. Exatamente o tipo de terreno e lucidez que agora, anos depois, irá usar para apoiar sua equipe na travessia dos Alpes na Red Bull X-Alps.
Eric Beck estará em movimento constante. Seu papel como supporter ao lado de Cati e Ben no apoio ao Gabe, é técnico, físico e emocional: Irão subir montanhas, buscar rotas, correr, acompanhar de van e, se necessário, entrar em ação como resgate terrestre de primeiro contato, auxiliando na logística, comunicação, segurança e apoio.
A equipe contará com duas vans equipadas com infraestrutura idêntica para alimentação, hidratação e equipamentos. Uma engrenagem sincronizada, se revezarão em turnos estratégicos: enquanto um segue com Gabriel na montanha, o outro prepara o solo — relatórios de previsão do tempo, definição de rotas, melhores decolagens e apoio logístico fino. Uma coisa que a Catiane nos contou é: O Gabriel está muito, mas muito rápido. A equipe com muito orgulho do nosso atleta, também será desafiada a chegar em seus limites no suporte com o Gabe.
Perder 15 minutos no horário de alimentação pode custar a prova. A gente precisa garantir que o Gabe vai ter ali tudo no momento certo. Conta Eric.
O nível de precisão, disciplina e técnica de Eric é altíssimo — e não apenas nos voos. Ao longo dos anos, ele também atuou como resgatista em diversas ocasiões, acumulando experiência em logística de campo e suporte técnico em ambientes de alta exigência.
Sempre estive muito disponível ali pra ajudar, e acho que isso acabou se tornando natural. Mas o que faz diferença é ser sistemático. No X-Alps, cada centímetro precisa ser planejado.
E não é exagero. A missão exige decisões em tempo real, leitura de condições meteorológicas com precisão, reavaliação de rotas, adaptação de decolagens e um nível altíssimo de alto gerenciamento — às vezes, tudo isso em questão de minutos.
Em 2025, esse desafio ficou ainda mais complexo: a organização da Red Bull X-Alps modificou o formato da prova. Agora, em um traçado que segue do leste ao oeste da Europa — invertendo a direção de anos anteriores —, a rota desenha literalmente um “X” no mapa. Esse novo formato exige trechos de voo contravento, o que deve testar a habilidade técnica e a estratégia dos atletas ao limite.
Eric sabe disso. E é exatamente esse tipo de leitura — tática, sensível, afiada — que ele levará consigo.
Aliás, não mencionamos, mas Eric também é montanhista e escalador. E foi aqui na escola que ele encontrou não só técnica do voo livre aliada as montanhas, mas o amor.
Foi aqui na escola que o cupido lançou a sua flecha certeira. Raquel Canale, nossa vento nortenha fortíssima, era de uma turma e Eric de outra. Os dois ainda estavam aprendendo a voar — e talvez por isso mesmo, estavam inteiros na escuta, na troca, na descoberta. Eles se encontravam nos treinos do Rio Verde, se cruzavam na escola, nas trips para a Ilha do Mel (levamos nossos alunos para desenvolver os primeiros voos sustentados por lá), conversavam sobre montanhas, trilhas e decolagens. Nas festas, os dois davam um show de sintonia na dança também. A conexão era evidente: ambos com o espírito inquieto, olhar curioso, e uma vontade inegociável de viver a vida de forma intensa e real.
A Raquel é muito forte, muito determinada. Sempre admirei o jeito como ela se joga nos desafios, como ela tem visão, sensibilidade e coragem, conta Eric.
Com o tempo, os encontros se tornaram parceria. E a parceria virou amor. Quando o Hike and Fly começou a se consolidar como modalidade no Brasil, lá estavam eles. Indo juntos para os acampamentos, para os reconhecimentos de rota, para os voos e para os bastidores das provas. Cada um com sua mochila, seu ritmo, sua entrega — e uma presença firme ao lado do outro.
Hoje, Raquel Canale é inspiração nacional. É, inclusive, até o momento a única mulher brasileira a competir na edição de 2025 da Transcapixaba — um feito que por si só já carrega força e representatividade, e não escondemos, temos um tremendo orgulho da Raquel. (Tem mais uma mulher na prova, uma suíça)
Ela não tem medo do que vem pela frente. E isso me inspira demais. Ver como ela encara as provas, como ela se prepara... é bonito de ver. E ainda dança bem melhor que eu”, brinca Eric.
Juntos, eles seguem fazendo o que o faz se sentirem vivos: voar, escalar, criar caminhos, improvisar uns passos quando o vento sopra diferente. O amor deles não veio como um espetáculo. Veio como os bons voos: construído aos poucos, na confiança, no tempo certo.
Contando a jornada de Eric, tenho a impressão que nada parecer ser ao acaso em sua história. Nem o escotismo, nem o Ironman, nem os saltos de paraquedas, nem a ida para a Europa ou as madrugadas congeladas subindo montanhas ao lado hoje, da Raquel. Tudo foi treino — não só físico, mas emocional, ético, espiritual.
E, como dizem por aí:
O sucesso da noite para o dia leva décadas para acontecer.
Reforçando o nosso posicionamento: não existem atalhos nem caminhos fáceis.
Esse texto também é nossa declaração de admiração a trajetória de Eric somado à uma intensa e profunda torcida!
Estamos com o coração na travessia dessa equipe formada por Gabriel Jansen, Catiane Kugelmeier, Eric Beck e Ben, que acima de tudo estão representando o nosso país na prova mais dura do planeta, e reforçando que independente do que vem nos próximo dias, temos muitíssimo orgulho de todos.
Que voem alto, que subam firmes, que cuidem uns dos outros — e que saibam que, por aqui, a gente segue com os olhos em vocês e os pés bem fincados na torcida. Agora que a sorte esteja ao lado, porque todo o resto vocês já fizeram!
🎯 Este artigo também reflete o compromisso da Vento Norte Paraglider com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promovidos pela ONU.
ODS 3 – Saúde e Bem-estar: Promoção da saúde física e mental através do esporte, do autoconhecimento e da superação pessoal.
ODS 4 – Educação de Qualidade: Formação ética e cidadã desde a infância, passando pelo escotismo, educação internacional e aprendizado prático ao longo da vida.
ODS 5 – Igualdade de Gênero: Referência à mãe de Eric como paraquedista pioneira em uma época de pouca representatividade feminina, e a nossa alada vento nortenha Raquel Canale que vem sendo uma inspiração para todas as mulheres que tem como alvo o hike and fly.
ODS 15 – Vida Terrestre: reforçamos a importância da conexão com as montanhas, da preservação dos ecossistemas e da prática esportiva consciente como forma de respeito à biodiversidade e ao planeta.