A intensa aridez do Grande Norte Chileno é uma face cruel da natureza inóspita e que faz do Grande Atacama um dos lugares mais únicos do planeta, e não por menos que choca e beira quase um demérito, porém ao percorrer sua vastidão se torna magicamente uma qualidade invulgar.
Gigante são seus geoglifos, os Cerros Pintados. Desafia nossa compreensão de como foram criar desenhos nos topos de encostas, tão distantes das costas e tão no centro do nada, repleto de energias ancestrais de tempos imemoriais.
Gigante são seus desafios, a sua gente, são seus ensinamentos! Gigante é seu nada que é tudo, repleto de histórias e onde a vida sempre dá um jeito de prosseguir e se revela no grande Pampa del Tamarugal recordando que é de fato possível fincar raízes que penetram rochas e pedras até as entranhas da terra por 8 metros, segurando galhos que produzem folhas, flores e frutos no solo mais cruel do planeta azulzinho.
Onde não há vida, disse, é no deserto. Mas a vida sempre se encarrega de se expressar para quem quer ver-lá, incluso ali. Todos deixaram pegadas que podemos ver.
Sérgio Gonzáles Miranda
Deserto que o silêncio que nos convida a fazer um barulho mental positivo. Deserto que nos prega a miragem de céu, terra e mar como uma coisa só, e tem a sua fúria e pode movimentar-se histericamente com seus incontáveis dust devil (diablito) que levantam a aridez para o infinito, num aviso silencioso, dos perigos do ar, da mente e do deserto.
O deserto que pulsa, um hino à persistência e um convite à reflexão.
"A terra no grande pampa, sem vegetação, nem pássaros, nem animais, é um espetáculo que devemos deixar em segredo para sempre em todas as gotas de sensualidade que possamos contemplar de outras paisagens do planeta.
Lá esta a terra em seu corte de diamante invisível. Em suas quebras e dobras de areia e extensão. Lá esta a geografia pura, determinada em uma paisagem estranha e abstrata, aérea e terrena. E desde lá esta os duros e dolorosos caminhos dos homens."
Pablo Neruda
Onde voamos silenciosos e cautelosos mediante a amplitude das suas dunas de areias e da imensidão do mar. Que ventos gelados de correntes polares nos elevam em nossas frágeis asas de panos para contemplar o mais belo ocultar de sol e revelar da noite no rico oceano pacífico. Desafiamos suas térmicas e encostas arenosas e rochosas, para depois repousar as asas nas tranquilas e organizadas areias da beira mar da Praia de Cavancha.
Onde a natureza revela sua beleza metros sim, quilômetros não. Onde entende-se a importância de um oásis exatamente no local necessário, o que é banhar-se em águas termais, o que é o sono dos vulcões e cantar para que continue dormindo, com seus cumes cobertos de neves e que trazem vida para a região através de riachos formados de degelo que abastecem as cidades desse grande deserto e que deixam nossa alma farta e fértil de bons sentimentos com o desfrute e deleite de inspiradoras paisagens.
Terra que nos sacudiu (terremoto de 5.6) de nossos sonos no primeiro instante, a exibir que respira e conspira. Que ensina a caminhar devagar em suas altitudes e platitudes.
Que ensina a tomar fôlego para prosseguir uma boa risada, no ra – ra – ra -rarararara. Que faz chorar e se emocionar ao sentar em uma mesa aos pés do Vulcão para tomar uma sopa e um chá com uma família, cujo local vivem apenas 23 pessoas em um raio de 200 km de distância, lembrando que quanto mais simples é o templo, mais nobre é o exemplo. As tecelãs de Isluga.
Aprendemos a cozinhar ovos nas águas vulcânicas e explosivas dos Gêiseres de Puchuldiza. O jargão mundial de que Deus ajuda quem cedo madrugada, é regra para o desfrute do fenômeno.
A terra que proporciona ao mundo o mais límpido céu noturno, e que nobremente e simplesmente nos proporcionou o melhor luar e churrasco de nossas vidas, e harmonicamente nosso querido amigo e cantor oficial, André Rosa dedilhou no violão músicas perfeitas para todo o contexto. O que vimos, o que sentimos, não dá para acreditar!
Um lugar que sua gente conquista com a simplicidade de uma frase sorrindo; Hola, que tal? E assim abre-se a vontade de compartilhar uma bem-humorada conversa no cômico, porém eficiente portunhol. Essa gente que não esquece da história, da bandeira e das batalhas. É gente que trabalha nas mineradoras, na zona franca e arduamente no mar para garantir alimento para a região.
Uma terra que nos presenteou com o amigo Daniel, que iluminou, cuidou, instruiu, compartilhou tudo o que poderia e mais um pouco e que seguimos bons amigos ao longo desses 8 anos de parcerias e grandes aventuras e que se nossa sabedoria permitir levaremos para todo o sempre das nossas vidas. Ofereceu generosidade, bondade, serenidade e companhia em todas as nossas descobertas, desde o momento em que abríamos os olhos pela manhã ao momento que o sol se apagava e a madrugada chegava.
Que nos contou sobre o passado social de Tarapaca, e nos mostrou a história mais atroz da região que ninguém quer recordar, massacre de Santa Maria: Luchemos por lo que es nuestro, de nadie más há de ser.
Que a cada ano uma peça da história da região é inserida em nosso repertório. Quando achamos que sabemos quase tudo, algo a mais é revelado, descortinado e aprofundado com cada iquiquenho e andino que nos abraça e nos conta tantos segredos.
O Grande Norte. A testemunha de um passado que definitivamente já não está mais ali, ou de um passado que se nega a partir para que a humanidade tome consciência de toda a riqueza cultural.
Que greve ali é levada a sério! Nós que o digamos! Terra que nos fez percorrer de ônibus o Atacama madrugada adentro até um aeroporto que não estivesse em greve, para podermos voltar para casa. 6 horas de estrada! Salgamos os pés, mas adoçamos a vida. E assim quando Mon Laferte apareceu nos noticiários mundiais com sua música Plata ta ta tá, que salgan, que salgan, que luchen, que luchen. Vamos a hacer que el mundo lo escuche. Posso dizer que não apenas te ouvimos, como também te sentimos.
Uma aventura, sem sombra de dúvidas, inesquecível. Gravada na alma para todo o sempre.
Findo a cada expedição, só nos resta ser sábios para tentar absorver tanta intensidade e grandiosidade compartilhada com pessoas que são para lá de especiais e praticando um esporte igualmente intenso. Ana Tijoux canta:
Una vida sin locura no es vida, es um pedazo, um redaso el murmullo.
Uma harmonia inalterável, inabalável, de confiança, de transparência e de respeito de uma equipe que magistralmente se complementa e a qual agradecemos cada momento no ar, na terra, na água, cada refeição compartilhada, cada louça lavada, cebola cortada, batata descascada escutando uma musiquinha boa (la misma vaca, la vaca sagrada, rs), a cada brinde aos amigos, aos amores, aos voos e por mais uma expedição realizada com sucesso e transformações.
Nas incontáveis cervejas e vinhos abertos, no tim-tim da vida, entre um café e outro, uma caminhada, um pouso, um espaço na sacada ao som das zangadas ondas a se quebrar, nos apertos “felicianos” do Saulo nos bichinhos, na conversa fiada, na risada alta e o xchiu para falar baixo e não arrastar tanto as pesadas cadeiras depois das 23 horas, no esmago de um resgate e outro, que entre parapentes e pessoas ouve-se um ronco de alguém literalmente rendido pelo cansaço de tanta coisa vivida em um dia, e as conversas expansivas e filosóficas que enriqueceram a alma e garantiram a beleza de cada passo dessa jornada.
É de longe IRADO, único e singular.
A grande chilena Violetta Parra já sabia! Gracias a la vida que me há dado tanto, me há dado la marcha de mis pies cansados, com ellos anduve ciudades y charcos, playas y desiertos, montanas y llanos.
Tejada Gomes também sabia! Por eso muchacho no partas ahora sonando el regresso, que el amor es simple y a las cosas simples las devora el tiempo.
E o grandioso chileno Pablo Neruda ensinou: Si nada nos salva de la muerte, al menos que el amor nos salve de la vida.
E assim com o coração rendido dizemos todos esses anos: Muchas Gracias Atacama! Muchas Gracias Hermanos(as) y amigos(as)! Hasta luego! Salud y vida!