Catiane, Brasileira no X-Alps

  • Junho 2, 2025

Catiane Kugelmeier: a primeira mulher brasileira na RedBull X-Alps.

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Quem vê Catiane Kugelmeier hoje, na contagem regressiva para ser a primeira mulher brasileira a atuar como supporter na Red Bull X-Alps (uma das 5 provas de aventura mais difíceis do mundo), talvez não imagine que sua jornada começou em silêncio, nos bastidores da vida comum.

Nascida e criada em Palotina, no interior do Paraná — mesma cidade da também vento nortenha Raquel Canale — Catiane cresceu no meio do mato, com dois irmãos e duas irmãs (incluindo uma irmã gêmea). A infância foi marcada por uma conexão visceral com a natureza: o quintal era uma pequena arca de Noé, com um tatu, um cágado, porquinho-da-índia, cavalos, porcos e até uma ema. A liberdade estava nas árvores, na terra, nos animais. É o tal ditado:

No campo, a alma respira.

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E até hoje essa essência está presente em tudo que ela faz. Catiane é daquelas pessoas que preparam um pão quentinho com carinho e fazem crochê como forma de se reconectar com suas raízes. Aventureira de unhas sujas de terra e mãos que trançam linhas com afeto.

A vida a levou para Curitiba, aos 24 anos, por conta da irmã gêmea. Viveu anos mergulhada numa rotina urbana: casa, trabalho, mais casa. Fins de semana também eram dedicados aos cuidados com a casa. A certa altura, ela mesma se descrevia como “dona de casa”.

“Por mais incrível que pareça e contraditório, vivi quase dez anos absorvida pela rotina urbana e sem contato com a natureza", conta.

Foi depois de um fim de relacionamento, durante as férias em Palotina, que algo em Catiane começou a despertar, e talvez essa seja a parte mais misteriosa da vida: ela recomeça, mesmo quando a gente acha que tudo acabou.

Cada fim é também um novo começo.

Do interior do Paraná, fez sua matrícula no curso de parapente. Naquele momento, mal podia imaginar o quanto aquela escolha redefiniria sua vida. Quando fez a matrícula ela já sabia o que queria, mirava no hike and fly, mesmo sem nunca ter feito uma montanha ou morro em toda a sua vida.

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Um gesto tímido, quase improvável, mas absolutamente transformador. Ela ainda não sabia — e nem mesmo nós — que naquele dia nascia uma história que está sacudindo os adeptos do hike and fly no país inteiro na torcida pela representatividade de uma equipe brasileira. Naquele dia nasceu a jornada mais incrível não apenas da sua vida, mas também da vida de Gabriel Jansen.

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Catiane Kugelmeier — a Cati — é a prova viva de que uma decisão para realizar um sonho, como aprender a voar, pode abrir caminhos que nem nossos sonhos mais ousados previam. Porque, às vezes, tudo que a vida precisa para mudar é de um passo — o primeiro impulso para que o destino escreva uma história que nem imaginávamos viver, e que belíssima história é essa!

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A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos. John Lennon

O encontro com o voo

Cati já tinha ouvido falar do parapente através de um casal de amigos, mas naquele período não tinha o menor interesse em aprender a voar. Viu o parapente ao “vivo e  a cores” em um evento de Hike and Fly organizado pelo Hilton Benke (também formado aqui na escola) e pelo Rafa Wojick, da Alta Montanha, no Araçatuba. 

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Cati só conheceu a escola um mês depois de ter feito a sua matrícula, chegou por aqui tímida, com seus olhos claros desconfiados e brilhantes, carregando algo precioso: o desejo de se reconectar com a liberdade que havia perdido. A natureza que a habitava, que a cidade grande tentou apagar, voltava à tona. Ela não queria cidade. Queria mato. Queria desafio, natureza e claro, novas histórias.

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Alguns meses depois de começar o curso, veio a pandemia, a academia que frequentava fechou e então ela começou a corrida de rua. Tinha um paquerinha que não estava muito satisfeito que ela usasse todos os fins de semana para voar, resultado, bem… já dá para imaginar. Ela terminou e disse para a Lúcia (também piloto Vento Nortenha), que a partir daquele dia iria se dedicar inteiramente ao voo porque seria a primeira mulher a participar do X-Alps. (claro, ela ainda não sabia o que era uma competição desse porte e estava deslumbrada com as imagens que apareciam na TV da XAlps).

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A vida ouviu os suspiros da Catiane sonhando com a XAlps.

Ironias da vida, uma semana depois dessa frase a Cati conheceu o Gabriel Jansen, que entrou na sua vibe, para estar com ela aos fins de semana teria que acompanhá-la nos voos. Lembramos até hoje uma das primeiras frases do Gabe. - Mas o parapente é um esporte de gordinhos? Nem ele imaginava onde esse início levaria. Quem imaginaria, não é?

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Cati nunca escondeu: tem medos. E, ainda assim, nunca desistiu. Porque o que ela ama de verdade é o processo: a trilha, a subida, o esforço, a conexão com a terra — tudo isso é o que faz sentido. É onde ela se sente inteira. A história da Cati me lembra um pouco da biografia "Livre".

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Ela se descreve como “estabanada” — um rótulo reforçado por uma infância superprotegida. Subir em uma esteira era um desafio; imaginar-se nas alturas, impensável. Mas, aos poucos, entre tropeços e conquistas, Cati começou a correr pelas trilhas acidentadas, fazer travessias intensas, escalar, decolar. Voar. A confiança veio do esforço. Da persistência. E de uma coragem cultivada dia após dia, sem pressa.

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Catiane tem uma rotina bastante equilibrada. Cuida da alimentação (mesmo!), também do sono, corre pelas manhãs, cumpre as planilhas, os objetivos esportivos, de lazer e de trabalho. A pegada da Cati é bastante alinhada com o que a Kelly Trindade abordou no artigo "Equilíbrio entre carreira, esporte e lazer".

A Cati e o Gabriel acabaram formando um casal muitíssimo forte nas metas esportivas. Realmente se apoiam fortemente nos treinos individuais ou coletivos, compartilham medos e metas. 

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Altos e baixos

Teve um período que a Cati desenvolveu síndrome do pânico. Estava isolada, evitando gente, horários de pico, desmotivada no trabalho e se comparando com a evolução acelerada de outros voadores — especialmente do Gabriel. Chamou o Márcio e disse: “Quero parar.”

Márcio respondeu com sabedoria: “Então recomece. Do zero. E se lá no final ainda quiser parar, tudo bem. Mas pelo menos tente.”

Retomou os treinos, o estudo, e transformou sua dor em força. Voltou a voar — no tempo dela. Sem cobrança e com mais amor.

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O resultado são diversos, incluindo participação ativa em diversas iniciativas do esporte.

A 1º competição foi no H&F do Espírito Santo, em Fundão. A Cati ficou em 1º lugar. Contamos a aventura de nossos Vento Nortenhos nesse artigo aqui. Bizarro iniciarmos ele contando sobre a RedBull XAlps, e agora, anos mais tarde, contarmos que lá estão eles.

A 2ª competição da Cati também foi no ES, em Forno Grande e lhe rendeu o 3º lugar. Então veio o primeiro MAEF (Mata Atlântica EcoFestival), 3º lugar. Em seguida o Hike and Fly do Paraná, 1º lugar do feminino e 3º lugar do geral.

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Bom, a lista continuou aumentando, encarou a transcapixaba como supporter do Gabe, a H&F de Jaraguá do Sul, mais alguns MAEFS, mais outros H&F do Espírito Santo e a Wanderbird no RJ, onde conquistou o 3º lugar.

Primeiros voos das gigantes do Paraná foi o Araçatuba, depois Capivari e por último Anhangava.

A lista de Trail Run:
35km Indomit Pedra do Baú MG
21km Discover trail Bateias - 3º fem. 
35km La Mision MG
47km Cambotas Trail MG
23km Discover trail Palmeiras - 2º fem. Categoria

E por "fim" é essa trajetória chega aqui:

A primeira brasileira como supporter na Red Bull X-Alps

Catiane será a primeira mulher brasileira a atuar como supporter oficial na Red Bull X-Alps, ao lado do nosso brasileiro incrível, Gabriel Jansen que vem construindo uma trajetória de muita, mas muita dedicação ao hike and fly, dando realmente 100% para representar a bandeira do Brasil, contando com uma equipe formada por Ericsson Beck, também formado por aqui e do Benjamin Hodgson, piloto sul-africano que também vem se dedicando muito pela equipe.

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O papel do supporter que a Catiane exerce na competição é tão vital, mas ela não pode carregar, nem empurrar o Gabriel, e sim cuidar: navegação, meteorologia, nutrição, planejamento, segurança e apoio emocional. O atleta corre e voa — mas só vai longe se houver um supporter atento, estratégico e presente.

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Cati já vem fazendo isso em algumas provas extraordinárias que o Gabriel foi fenomenal conquistando o 14º lugar na X-Pyr, uma prova de hike and fly realizada nos Pirineus, que atravessam a fronteira entre a Espanha e a França. É uma das competições mais importantes da modalidade na Europa, ao lado da Red Bull X-Alps, e segue o mesmo princípio: os atletas devem percorrer grandes distâncias atravessando montanhas, alternando entre voo de parapente e caminhada (hike), sempre com navegação própria e apoio limitado, e a mais recente a Bornes To Fly, região dos Alpes Franceses que claramente dos 110 competidores, muitos estavam utilizando para o aquecimento para a XAlps. Aproximadamente metade dos inscritos conseguiram terminar o desafio e mais uma vez comemoramos intensamente a conquista do 10ª lugar do Gabriel entre os melhores do mundo.

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Em suas palavras:

“O supporteré literalmente a base do atleta. A missão é estar sempre um passo à frente, prevendo o que ele vai precisar antes mesmo que ele perceba.”

Durante os treinos na Europa, ela tem focado em leitura de mapas, adaptação a diferentes climas e altitudes, estratégias mentais e tomada de decisões rápidas. Disse que o maior desafio será manter a clareza mental com pouco sono, sob pressão, por dias a fio.

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Além disso, compartilhou algo tocante:

“Acho que o mais desafiador emocionalmente vai ser lidar com a impotência. Ver o Gabe cansado, no limite, e saber que não posso fazer por ele. Só apoiar, confiar.”

“Tem zonas onde provavelmente só o Gabe irá entrar, como as vias ferratas. O atleta tem que se mover por meios próprios. Nada de carona ou ajuda física. A gente apoia na estrutura e na estratégia — e só.”

Estão na Europa desde abril, focados de momento nos treinos finais, vivendo esses meses na "casinha móvel", atravessando países de lá para cá, estudando terrenos, aprimorando navegações, lidando com as altitudes e fortalecendo o lado mental. Falando de apoio mental, quem esta fazendo esse trabalho é o Gilberto Ribeiro Cardoso, psicólogo e também piloto de parapente.

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“O maior desafio? Manter a clareza mental com cansaço extremo. São dias seguidos de pouco sono, decisões constantes, apoio emocional... Isso é o verdadeiro Everest do suporte.”

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Além do clima, do cansaço e das decisões, há desafios mais pessoais:

“Não falo inglês. Isso me impede de me entrosar com o pessoal de outras equipes.”

E ainda assim, ela segue firme — vencendo barreiras culturais, emocionais, físicas e simbólicas.

“Tem trechos que impõem respeito. Mas conhecer o caminho nos treinos ajuda a transformar o medo em atenção. E isso me fortalece.”

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A equipe tem um plano base — cenários traçados para clima ruim, mudanças de rota, fadiga extrema — mas a palavra-chave é adaptação.

“A estratégia aqui é ser flexível. Reagir com clareza e manter a cabeça fria. O X-Alps é um jogo de xadrez com a natureza — e ela sempre tem a última jogada.”

“A ansiedade existe — cada um disfarça como pode. Alguns ainda estão aproveitando as últimas noites de sono decente. Todo mundo sente que algo grande está chegando… e dormindo bem? Só quem ainda não caiu a ficha!”

Mesmo com o medo, ser estratégica é fundamental:

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“Estamos passando pelos trechos mais exigentes agora, nos treinos. Quando conhecemos o caminho, o medo vira atenção. E a atenção vira confiança.”

Ela sabe que o segredo está em se adaptar com clareza e manter a cabeça fria.

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Uma entre poucas

Nossa Vento Nortenha disse que ainda não teve contato com outras mulheres supporters durante os treinos. São poucas. Estima-se que entre as 34 equipes de 17 países (aproximadamente 70 membros ao todo), haja apenas 10 a 15 mulheres nessa função. Ainda assim, ela está lá. Vivendo o desafio. Representando.

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E há uma mulher na prova: a suíça Céline Lorenz, única atleta competidora feminina da edição.

Sua presença ali é símbolo e semente. 

“Cada mulher que está aqui abre caminho para muitas outras. Estar aqui já é mostrar que lugar de mulher é também nas decisões, nas montanhas e no meio do caos.”

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Presença, entrega e coragem

Claro que existe o medo e a ansiedade. Anormal seria eles não existirem. Vai com o coração batendo forte e os pés firmes no chão. Vai por ela, por nós, por todas que pensaram em desistir. Sua trajetória é uma das mais humanas e inspiradoras que já vimos passar pela Vento Norte.

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Ela não voa alto porque não tem medo. Ela voa, justamente, porque não deixa o medo ser maior do que o sonho.

E continua valendo nossa máxima entre os nossos:

🌄 Movidos pela emoção. Impulsionados pelos desafios. Aprendizes em constante evolução.

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Catiane Kugelmeier, a gente voa junto com todos vocês. Coração em vocês.💛

O patrocinador do Gabriel Jansen e equipe é a marca carioca Peak Co

Os apoiadores são: Alta Montanha, Liquidz, Oficina Multsport, Federação de Voo Livre Paranaense e Confederação Brasileira de Voo Livre.

🟣 Este artigo reflete o compromisso da Vento Norte Paraglider com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promovidos pela ONU.

ODS 3 – Saúde e Bem-Estar: ao apresentar a trajetória de Catiane, reforçamos como o esporte, o contato com a natureza e o voo livre são poderosos instrumentos de equilíbrio emocional, superação pessoal e bem-estar integral.

ODS 4 – Educação de Qualidade: valorizamos a formação técnica e humana de pilotos e apoiadores, reconhecendo que o aprendizado vai além da técnica — envolve preparo físico, emocional e estratégico. A história da Catiane inspira a busca constante por conhecimento e evolução.

ODS 5 – Igualdade de Gênero: destacamos com orgulho a presença de Catiane como a primeira mulher brasileira no suporte da Red Bull X-Alps, rompendo estigmas de gênero e abrindo espaço para outras mulheres em competições de aventura de alto rendimento.

ODS 10 – Redução das Desigualdades: ao celebrar uma trajetória que começa fora dos grandes centros e rompe barreiras de idioma, gênero e classe, este artigo amplia o olhar para o direito de todos sonharem e ocuparem espaços de destaque — inclusive os mais extremos.

ODS 15 – Vida Terrestre: reforçamos a importância da conexão com as montanhas, da preservação dos ecossistemas e da prática esportiva consciente como forma de respeito à biodiversidade e ao planeta.

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